“Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” João 3:16
Foto Créditos: Marcos Santos
Fonte: Banco de imagens USP
Temos falado sobre a Igreja, a
comunidade dos salvos, remidos pelo sangue do Cordeiro, que é Jesus, a qual tem
uma vocação muito particular. Contudo, a maior parte da vida do cristão se
passa fora dos limites físicos ou sociais desta comunidade, ou seja, o templo. Passados os
momentos de culto, de adoração, oração, louvor ou de estudo bíblico, vamos
estar naquele espaço que intitulamos de “mundo secular”. Temos o nosso
trabalho, o nosso estudo, os nossos afazeres no comércio, e as nossas
atividades sociais, e não podemos ter o controle sobre tudo o que se passa, em
termos, por exemplo, de escolhermos com quem vamos interagir, e, nem nos é
recomendado fazer isso; seria um sectarismo religioso e uma religião dentro de
uma bolha.
Existe uma sociedade estabelecida
dotada de uma pluralidade que envolve fatores culturais, ideológicos, étnicos,
econômicos, e que, atualmente, no próprio contexto sociológico vem demonstrando
preocupações com a intolerância e com a segregação. Dentro do contexto
evangélico no passado era muito comum a tendência de o indivíduo se segregar na
esfera da comunidade da Igreja e de se abster de participar de associações
humanas, como clubes, assim como, até mesmo, de instituições acadêmicas; talvez
pelo receio de se contaminar. Havia quem tivesse isso até por covardia!
Por outro lado, a Igreja já
demanda uma grande parcela da dedicação do tempo de cristão, a partir das suas
atividades sistemáticas, que requerem consagração, e, desta forma, muitos
preferem dedicar o seu tempo nas atividades da igreja, sabendo que não haverá
disponibilidade para as outras atividades que poderiam ser feitas no mundo secular.
Hoje tem-se visto uma maior
inserção social dos evangélicos na sociedade. Vivi uma geração que pôde ver
desde os tempos em que os crentes eram perseguidos, alvo de chacotas nas
escolas, vistos como pagãos, até os tempos em que começaram a surgir pessoas de
renome nos meios artísticos, esportivos e políticos, e, mesmo o número de
seguidores aumentou. A sociedade civil é marcada pelas organizações sociais,
políticas, e não governamentais, e nesse espaço os evangélicos tiveram nas
últimas décadas grande disseminação. Eu me recordo dos tempos em que “os crentes
não podiam ter televisão”, e hoje são justamente as denominações que batiam por
esse discurso que estão à frente, como proprietárias das grandes mídias. Em
muitos espaços no país a Igreja tem feito o papel que o Estado deveria estar
fazendo, como na alfabetização e na assistência social, e isso tem contribuído
para o engrossamento político do setor evangélico.
Não quero aqui negligenciar o
grande papel que tiveram os católicos nesse país, sobretudo nas obras de
caridade, na criação de hospitais, assim como na educação. Também, denominações
evangélicas tradicionais, através da atuação direta ou indireta por meio dos
seus membros em sociedades civis, contribuíram e ainda contribuem para a
melhoria da sociedade no que tange à educação e à saúde.
Nota-se pelas escrituras que o
cristão não está isento de participar das engrenagens da sociedade. José foi o
vice-governador do Egito; Daniel foi um conselheiro do rei; uma menina que era
serva escrava de sua senhora foi intermediária para que o oficial Naamã, o capitão
do exército do rei da Síria, fosse até ao profeta Eliseu em Israel, e fosse
curado da sua lepra. Ester foi feita rainha para poder livrar o povo de Israel
de sofrer genocídio. Ló, um exemplo mais
extremo, era integrante da sociedade de Sodoma e Gomorra.
Não existe essa de o indivíduo
ficar totalmente inerte da comunidade ou do logradouro onde ele habita. Essa
interação é involuntária. Mas, uma coisa é o trato e os embates que têm surgido
quando se trata da Igreja, a sociedade, e o mundo. Neste sentido, vem algumas
considerações sobre o mundo secular.
Em primeiro lugar, o que diz a Bíblia
sobre o mundo, e as coisas que estão à nossa volta.
Deus criou todas as coisas, e
todas são dele por direito de criação (Gen 1:1 e Salmo 24:1). Tanto as coisas
como as pessoas.
Por outro lado, João, como
evangelista, fala sobre Jesus que Ele “estava no mundo, o mundo foi feito por
intermédio dele, mas o mundo não o conheceu” (João 1: 10). Aqui mostra um mundo
criado por Deus, mas estranho a Ele, o mundo como lugar e pessoas que habitam
esse lugar.
De modo a se diferenciar, Jesus ainda
afirma que é a “luz do mundo”, e que, quem o segue não andará em trevas (João
8:12). Mostra a ideia de um universo social e sistema organizado fora da sua essência.
João, como apóstolo, adverte a
Igreja que “o mundo inteiro jaz no maligno” (I João 5:19), e ainda que: quem
amar o mundo, o amor do Pai não está nele. (I João 1:15). Jesus disse que “chegou o momento de ser
julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso. E eu, quando for
levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo (João 12:31-32).
O que aconteceu então com o
mundo?
Estas coisas apontam para os conflitos
que existem entre a Igreja e o mundo tal como um “sistema organizado de vida”,
governado pelo “príncipe deste mundo”, e ainda que existe o estabelecimento do
reino de Deus na terra.
A oposição da igreja com o mundo
não se refere às pessoas em si como indivíduos. O apóstolo Paulo fala que “a
nossa luta não é contra o sangue e a carne, e, sim, contra os principados e
potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças
espirituais do mal...” (Efésios 6;13).
Este sistema mundano teve início
com a queda espiritual do homem, e da ordem que se estabeleceu em seu coração.
Este sistema está sempre em uma rebeldia nata para com Deus, levando o homem a
querer romper as suas algemas para com Ele (Salmo 2). Watchman Nee em seu livro
intitulado “Não ameis o mundo”, exprime uma ideia de que tudo o que é produzido
pelo homem, seja pelas artes ou pela ciência (e as demais coisas) é formatado para
fomentar esta rebeldia para com Deus, e ainda, para ser utilizadas pelo anticristo
na culminação dos fatos, em que esta oposição será declarada de modo mais evidente.
O apóstolo Paulo fala aos crentes
de Éfeso que antes eles estavam ‘mortos nos seus delitos e pecados”, andando outrora
segundo o “curso deste mundo” segundo o “príncipe da potestade do ar”, e do
espírito que atua nos “filhos da desobediência” (Efésios 2:2). O apóstolo ainda
diz que “Deus, sendo rico em misericórdia...nos deu vida juntamente com Cristo”
Efésios 2: 4).
Compreende-se o sistema mundano
como um espaço que não está em sintonia com a mente de Deus, rebelde à Deus, e
fora da graça de Deus.
Enquanto um espaço social e
material, qual é o papel da Igreja neste mundo?
O primeiro papel é o de proclamar
as virtudes de Deus. “Vós porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação
santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes
daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” I Pedro 2:9.
Em Efésios 3:10 o apóstolo Paulo
fala de que a igreja deve fazer conhecidas a multiforme sabedoria de Deus aos
principados e potestades nos lugares celestiais.
O segundo papel que a igreja tem
é o de “comunidade intercessora”, como diz em I Pedro 2:9, “sacerdócio real”.
Recentemente se tem visto muitos embates entre a comunidade evangélica e o
mundo, mas pouca intercessão pelas pessoas que estão no mundo.
Um outro papel
da Igreja é o de “sal da terra”, como um atributo dado por Jesus (Mateus 5:13).
O povo de Deus é a “nação santa” (I Pedro 2:9), e como tal ela deve fazer este
papel, no sentido de preservar a terra. Também o cristão é visto como Luzeiros
que resplandecem nas trevas (Filipenses 2:15).
Ainda, um outro
papel é da Igreja o da evangelização. Como diz o texto bíblico: “Ide por todo o
mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (Marcos 16:15. Como diz o texto,
não existe distinção de lugar ou de classe de pessoas.
Não obstante o
aspecto conflitante entre a Igreja e o mundo, o crente é desfiado a permanecer
no mundo, e não se isolar. Na oração sacerdotal, Jesus não pediu a Deus que ele
nos tirasse do mundo, mas que fôssemos guardados do mal (João 17:15).
A Igreja está
sujeita a sofrer neste mundo, pelas oposições orquestradas pelo príncipe do
mal. Como disse alguém, isso nos dá um conforto de que não somos deste mundo.
Jesus nos preveniu sobre isso, “se o mundo vos odeia, sabei que primeiro do que
a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era
seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário dele vos escolhi, por
isso o mundo vos odeia” João 15:18-19.
Jesus nos
conforta em suas palavras finais dizendo: “Estas coisas vos tenho dito para que
tenhais paz em mim. No mundo passais por aflições; mas tende bom ânimo, eu
venci o mundo” João 16:33. O apóstolo João em sua primeira epístola também diz
para com os que creem: “Quem é aquele que vence o mundo senão aquele que crê
ser Jesus o Filho de Deus?” ( João 5:5).
Não nos esqueçamos
que Deus sempre foi o dono e soberano sobre todos e sobre todas as coisas.
Neste sentido, conhecendo
os papéis que Deus reservou à Igreja militante enquanto ainda vinculada a esta
vida terrena, podemos compreender a importância de participarmos da vida
social, política e de outras formas, reconhecendo que o mal não está nas
pessoas ou nas coisas em si mesmas, mas na ordem social como sistema oposto ao
pensamento de Deus. O apóstolo Tiago fala
que a origem do pecado está na própria cobiça que cada um tem (Tiago 1:14), e procura
mostrar a verdadeira religião como algo que não isola o crente em uma redoma,
mas que o leva a fazer obras (da fé), procurando-se manter incontaminado do
mundo (Tiago 1:27).
Jesus Cristo na
parábola do semeador fala do semeador fala dos “cuidados do mundo e a fascinação
das riquezas”, que podem tornar infrutífera a palavra (Mateus 13:22) e o
apóstolo Paulo também adverte em suas epístolas sobre estes aspectos, e faz
muitas referências ao mundo chamando de “o presente século”.
Portanto, a
questão é em verdade a atitude que se tem para com as coisas. O mundo pode não
estar lá fora, nas pessoas ou nas coisas, mas dentro do coração do homem. O
homem procura barganhar, mas Deus não se conformou em ver os habitantes desse
mundo se perder, pois: “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu o seu
Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida
eterna” João 3:16.